Deusa Educação

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Nunca vou entender meu entorno, muitos menos as pessoas que vivem nele.  Todos os dias, de manhã, acordo com o sentimento de que será um dia extraordinário, fantástico. Me decepciono a maioria das vezes,  pois as pessoas continuam iguais ,  os amores continuam iguais e por tabela as angústias.
Mas ontem, de uma maneira única, mudei. Mudei por que presenciei o progresso pessoal, uma fé que antes em mim não existia. É impressionante o ser humano não transformar a Educação em uma Deusa. Sim mulher,  por que nos abraça ela nos conforta, nos faz renascer.
Ontem foi mais uma manhã gélida,  dentro do ônibus as pessoas em meu entorno  eram mórbidas e quentes,  alguns bem arrumados para esconder a classe social, outro aos trapos por que não tinham essa opção.  Me arrumei no corredor do ônibus perto de um homem, com os seus trinta anos certamente.
Passei a imaginar a história dele, afirmei que deveria ter um filho pequeno, uma mulher bondosa,  de domingo ia as missas e sempre dizia: "se eu tivesse estudo, hoje seria diferente."
Mas.
De repente, o homem saca como uma arma,  uma caneta do bolso,  abriu bruscamente um caderno velho e cinza e no colo equilibrou juntamente um livro enorme e pesado. Os homens tendem a aprender. Pois bem, começou a foliar o caderno, com os olhinhos miúdos e sonolentos lia cada palavra.
Junto com ele, li escondidamente,  me divertindo tentando decifrar sua letra. Tupi. Sim, Tupi. Não a língua. Não a letra, mas o estudo.  O homem estudava suas origens, buscando nelas certezas. Tudo o que estava escrito naquele caderno cinza era sobre a língua Tupi, como se formou, aonde se formou,  como construir uma frase. Datas: 1850, 1888, 1930.
De primeiro não compreendi.  Mas depois, percebi que o homem estava mudando o curso da história.  Ele representava em minha cabeça uma nova era, um novo tipo de linguagem se introduzia na sua mente, no seu cotidiano.  Ele escrevia com fervou, atraves de sua caneta marrom sem tampa, suas impressões sobre o livro que segurava.  
O que levará um homem de 30 anos, branco porém pobre, a estudar Tupi?  Quem o convenceu que os índios são tão importantes quanto os portugueses e os negros?  Progresso. Em meio ao caos que vivemos, na supremacia euro-americana,  presenciei um aforismo real, um momento sem conexão com o meu viver.
Minha vontade interna era de chorar. Chorar por que naquele dia chuvoso e cinza, um homem me mostrou que ainda há esperanças,  que o tempo muda   e gira assim como os moinhos.  Novos ventos. O entorno alheio a nós , eu e o desconhecido, movia-se lentamente, e muitos não voltaram a atenção para aquele homem.
Me dei conta que estava indo para a instituição de ensino que nunca irá me ensinar o que é o Tupi na língua brasileira, muito menos que os índios são meus conterrâneos.  Percebi o qual leiga sou em relação àquele homem, o tanto que deveria aprender,  e me senti grata pelo prazer intelectual e social que ele me proporcionou.
Ontem não foi um dia qualquer para mim. Certamente no mundo as coisas, as tragédias e os medos não mudaram: chuvas desolam pessoas, a corrupção prende, o homem mata, as provas estão marcadas. Mas para mim, ontem foi o dia em que um milagre nacional ocorreu, vi com os meus olhos a Deusa Educação exercendo seu maior poder: mudar vidas.

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