Você ama pessoas brancas?
Ainda não é possível dizer o que absorvi do novo clipe da Bey com o Jay (https://youtu.be/kbMqWXnpXcA) , no entanto algumas coisas me vieram a cabeça, e resolvi escrever.
Ontem foi a festa do boi no morro do Querosene, zona oeste de São Paulo, bairro Butantã. O boi, conhecido como boi mirim, é um festa tradicional do Maranhão, que chegou ao morro há 30 anos. Quando se fala morro, se fala em festa tradicional e se fala em Maranhão, se pensa em pessoas negras. Estando lá, numa rápida análise, consegui perceber que a minoria era negra, e essa minoria estava acompanhada por pessoas brancas.
Ou seja, a questão pra mim não era as pessoas brancas, mas porque as pessoas negras estavam acompanhadas de pessoas brancas? Porque, com todo o movimento negro e o afro-centrismo, as pessoas negras estavam se relacionando afetivamente com pessoas brancas?
Foram essas questões que o clipe de Bey me fez repensar.
Irei pontuar as relações heterossexuais.
Acho que o primeiro ponto que precisamos repensar, e aqui falando como mulher negra, é a discussão sobre a solidão do homem negro, porque ela existe. Existe e resiste no sistema em que vivemos, e isso faz os homens do nosso movimento saírem em busca de relação em que são preteridos, hiper-sexualizados e esquecidos. E quem causa isso são as mulheres brancas, que olham os homens através do esteriótipo do grande falo, do gingado, e, hoje em dia, do "close". Leia-se mulheres brancas como uma classe da sociedade que é privilegiada no recorte racial.
Ao mesmo tempo, em que as mulheres negras também se relacionam com homens brancos, porque não conseguem/querem lidar com um namoro ou afeto com uma pessoa rejeitada socialmente. Por um homem branco, as mulheres pretas se sentem mais amadas e menos sozinhas.
Por tanto, vivemos em um paradoxo em que apenas a Bey e o Jay conseguem sair bem rsrs. Alguns casais pretos da fama, eles usam da arte e do trabalho para garantir os milhões e um relacionamento aparentemente saudável, com sua traições em tempos passados. Esse orgulho de beijar sua mina preta ou seu boy preto em praça publica, muitas vezes, é romantizado pelo próprio movimento negro.
Acompanhando relações de casais héteros bem de perto, percebe que muitas vezes as coisas vêm a tona e os dois explodem, os dois gritam, os dois se violentam, pois é essa resposta que o sistema dá a nós, quando as coisas não saem do jeito certo. A conversa e a compreensão são coisas difíceis e quase inatingíveis, no meio disso existem angústias, medos, traumas, que permeiam o relacionamento.
Ah Isa, mas qualquer relação tem problemas...
Sim, mas pensando socialmente, dentro de um relacionamento afro-centrado heterossexual, esses problemas são estruturais. A coluna da nossa sociedade é o racismo, então quando suas pessoas negras se juntam, elas estão contrariando tudo isso. As consequências são fortes.
O segundo ponto é compreender como desromantizar as relações afro-centradas e nos fazer compreender, aqui me incluindo por completo, que a maior revolução será quando nosso amor não for branco, for nosso. Parece que queremos ter os mesmos moldes de afeto que os colonizadores nos deixaram. O legado de um romantismo intocável europeu, de um culto ao rosa, de uma frieza e cerimônias que não nos pertencem.
A estética negra já vem em desconstrução. Hoje, temos o termo "tombamento", temos cantoras como OSHUN, Solange, Bey, Willow Smith, entre outras e outros, que através das músicas e das formas de se vestir, colocam em jogo outra beleza. Outra maneira de se reconhecer no espelho. As cores, as jóias, as estampas, as versatilidades dos cabelos, são simbologias tão nossas. A estética profunda, aquela que questiona e que provoca de maneira positiva (no sentido de trazer a reflexão e o engajamento) é um dos caminhos de militância.
Nesse mesmo trajeto de releitura, de afro-futurismo, o amor precisa ser renovado. E essa renovação vem com o entender de que talvez, quem sabe, o amor preto não seja falocêntrico, não seja romântico, não seja monogâmico por completo. Ou talvez seja todas essas coisas e mais.
Questionemos nossa maneira de afetar e ser afetado.
O terceiro ponto é um justificativa sobre porque só falei de relações heterossexuais. Eu me envolvo afetivamente com mulheres negra já fazem, oficialmente, 3 anos. Me coloco vulnerável, me apaixono, me desespero, me preocupo, me excito, por mulheres negras há 3 anos. Me entendo como uma preta política, há 4 anos. E nesses 3 anos, pude entender algumas coisas: se apaixonar por uma mulher negra é se apaixonar pelo ser mais preterido nessa sociedade,e isso faz com que qualquer demonstração de afeto gere dúvida e insegurança; as mulheres negras estão sempre fazendo quatro mil coisas ao mesmo tempo, e isso também se torna um empecilho; de todas que eu me relacionei, o afeto não era a prioridade, a prioridade era SEMPRE a saúde mental e o trabalho.
Assim, do que eu posso falar da minha pequena experiência, porém muito intensa, é que eu compreendo perfeitamente a desistência de mulheres negras buscarem outras mulheres negras.No entanto, há um sentimento que nos impulsiona: poder partilhar aquilo que é de mais sincero com nossa igual. Só falei das relações heterossexuais porque foi o que li mais, o que vi mais, e de certa forma, foi o que achei que me contemplava durante anos de minha vida (eu só tenho 19 anos).
O quarto e último ponto é bem sintético: você, pessoa negra, se relacione com outra pessoa negra.
No mais, assistam o vídeo !
3 comentários
Muito importante o texto, já me peguei pensando muitas vezes em diversos pontos que você cita, um que me chamou atenção foi o questionamento de se os relacionamentos afrocentrados precisam ser monogâmicos. Eu namoro uma mulher preta a quase 6 meses, desde quando a conheço, até agora, nós lidamos com dores parecidas presentes em ambos, rimos de gostos em comum, choramos quando tudo parece estar fodido, tudo isso juntos, resistindo e amando,sentimos certa carência de carinho e atenção que buscamos sempre um no outro, somos pessoas pretas, o carinho faz falta, o amor parece difícil ainda mais em meio a militancia, e com tudo isso acredito fielmente que o amor preto precisa ser monogamico, pois vejo em um casal preto consciente racialmente uma junção de dores e força de mudança. Não sei se deixei clara a minha visão, otimó texto, irmã.
ResponderExcluirOlá !!! Nossa obrigada por esse comentário, sério mesmo ! O questionamento sobre monogamia foi no campo de questionar o modelo branco de relacionamento e amor na literatura e no imaginário, que pauta a monogamia ! Acho que esse é um debate muito massa que podemos ter um dia <3 muita gratiblack !!
ExcluirO que? Amor negro? Isso nao seria limitar o Amor? Não somos todos pessoas? O movimento de luta contra a escravatura já deixou tão claro isso, com os discursos do Martin Lutherking e o Abrahm Lincon, não existe separação entre pessoas, além das que criamos em nossas mentes para confortar nossas inseguranças e medo, suplico, por favor, que reveja seu conceito de preconceito e racismo, porque o que eu senti ao ler este texto foi exatamente isso. Só existe o Amor e é para todos, é a realidade, é liberdade, igualdade, respeito.
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