A beleza que não temos, inventamos
Nunca achei que iria fazer um texto sobre beleza. Nunca mesmo.
Primeiro, porque não me considero bonita. Desde pequenina, era me dito que não era bonita. Lembro do primeiro moço que beijei, que me achava muito bonita (inclusive, ele era negro e mais velho, quatro anos) e quando contei ao meu melhor amigo (um moço branco de minha idade) ele disse: pessoas feias atraem pessoas feias.
Da mesma lógica: temos o amor que merecemos.
Segundo, que eu sempre banalizei a beleza. Todo esse movimento de blogueiras, youtubers, e afins falando sobre beleza, moda, maquiagem, brechó entre outros, nunca me complementou ou me fez querer gostar de me vestir e me emperiquitar. Quando menor, mais uma vez, minha tia queria que eu fosse lady, e eu odiava.
Até hoje não quero ser lady. Mas.
De uns tempos para cá algumas coisas mudaram. E todo esse ódio ao belo e ao arrumar me mostrou que as estruturas realmente estão enraizadas. Me mostrou que revolução não é apenas ocupar, mas sim transformar as noções e os conceitos. Dessa forma, com essa cabeça, resolvi por dreads.
Na verdade, não coloquei, os fiz. Na verdade foi um dreadmaker preto, com dedos de fita, que costurou todinho meu cabelinho.
É uma imagem poética, como não tem a extensão, ou seja, outro cabelo, o Zion (dreadmaker) foi embaraçando meu cabelo e costurando com uma agulha. o processo durou mais ou menos 8 horas.
Depois que eu fiz, veio uma alegria quase instantânea. Uma euforia de cabelo novo que não cabia em mim. Fui ao bar com amigos, elogios, perguntas, estranhamentos. Era um mundo novo. Não iria precisar lavar todos os dias, não iria precisar ficar de turbante sempre. Era só meu cabelo existindo.
Em casa, o recebimento foi outro. Desapontamento e desaprovação.
Então, os dias seguiram. Arrumar essa cabelo novo passou a ser um desafio. Ta pequeno demais, eu pensava. Ta espetado demais. Ta esquisito demais. Ta muito para o lado. Ta muito raspado. Ta ressaltando meu rosto redondo. Ta faltando um cachinho aqui.
Levantar da cama ficou difícil, assim como se olhar no espelho. Andar na rua ficou impossível. Era uma respiração profunda atrás da outra. Poxa, duas semana com o cabelo e não aguento a pressão. E se eu raspar mais? E se eu pagar uma extensão? E se eu cortar?
Foi então que passei a refletir, mais profundamente, sobre a beleza negra. E de como, é importante, não só ocuparmos os espaços brancos, mas sermos da nossa forma, em nossa maneira. Meu cabelo estava estranho para o mundo, mas não para os meus. Ele estava embaraçado e espevitado, está na verdade, espinho. E esse espinho estava cutucando a pessoa errada.
Nós, quanto negros nesse século e nesse ano, devemos repensar toda a nossa beleza. Há outras formas de se vestir, portar e maquiar, e normalmente, quando você sente que está estranho demais, é que algo anda de muito certo nessa revolução. Não quero ser igual.
Sou arte-preta e pretarte em eterna conspiração.
Não tem a razão em mundo ocidental branco de ser igual. Igual pra quem?
Quando nos arrumamos, pensamos nosso look, nossas cores, é necessário ter em mente a nossa ancestralidade, o nosso continente longínquo. Como nossos orixás e nossos ancestrais se portavam. O que eles iriam ter gosto de ver.
Assim que penso hoje, quarte-feira 22h da noite. Esse pensamento conforta, acolhe. Depois dele, passei a amar me arrumar e me sentir bonita do meu jeito. De entender que a minha beleza, e talvez a sua, esteja nos momentos de transição e não de fixação. Esteja nas tatuagens pelo corpo. Ou na pouca ou muita quantidade de melanina na pele.
São coisas que vamos descobrindo como tesouros. E não devemos contar à ninguém esse segredo. É nosso. Deixe-os com sua beleza padronizada e centrada em um modo. A nossa beleza é preta, é armada, cacheada, crespada, lisa, nariz batata, nariz pequeno, são bochechas, lábios, olhinhos olhões, é gorda, é magra, é fora do peso, é batom roxo ou batom nude. É a nossa voz nossa música nossa ciência.
É o nosso sucesso. É o nosso amor ao outro e ao espelho de mamãe oxum.
Encerro dizendo que hoje sou estranha, espinhosa e desencaixada e, talvez por isso, mais bonita do que nunca.
1 comentários
Meu deus que texto maravilhoso! Várias reflexoes nessa altura da madrugada
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