E você, quer a greve?
De fato, é muito difícil ser a favor de uma coisa que nos tira o direito de ir e vir. O direito ao acesso é um dos acordos fundamentais na nossa democracia liberal. Então, quando pega em nós o que o outro faz, quando interfere diretamente na nossa vida, tendemos a reclamar, relativizar ou ser contra.
Pois bem, na virada do regime monárquico para o regime burguês (seja ele republicano/democrático) , a burguesia viu a necessidade de criar um pensamento tão forte quanto a hereditariedade, e com isso surgiu as teorias Liberais, em que o direito individual era natural e que através do trabalho o ser humano conseguiria tudo (Chauí, 1998).
O pensamento de que o trabalho nos conduz para um estado de plenitude, muito forte na igreja protestante também, nos influencia muito até hoje. É um dos pilares para o funcionamento do sistema capitalista e para manutenção das desigualdades e hierarquias.
Assim, quando nos deparamos com um cenário de greve, em que as pessoas param seus trabalhos para reivindicar direitos e necessidades, entramos em uma contradição infinita. Ao mesmo tempo que parte da população entende as paralisações, o fato de não conseguir exercer o ofício incomoda. Traz angustia, desespero e medo. A questão é que os caminhoneiros pararem dois dias, não interferiu na vida de ninguém. A partir do quarto dia, a grande mídia e o país como um todo, sentiu o impacto. E esse impacto trouxe consequências como: não conseguir sair de ônibus, não conseguir comprar comida, não conseguir encher o tanque de gasolina, não conseguir comprar água.
Essas consequências passaram a machucar o lado liberal de todos nós, a impossibilidade de ser "independente" virou o jogo. Os caminhoneiros nas ruas só nos mostram como o Estado trata mal as pessoas que carregam esse país nas cotas (literalmente), ou parte dele. A maioria desses trabalhadores são, certamente, homens negros, que viajam brasil a fora para garantir algum sustento. Por tanto, quando essa camada, com esse recorte social, de gênero e raça, consegue furar o cotidiano de uma grande metrópole, a democracia individual grita imediatamente.
Mas, como conseguir as coisas sem o incômodo? Sem o confronto ?
A passividade também é outra característica da democracia liberal. Conseguir na base do diálogo. Você não é a favor da greve porque agora ela te violenta, violenta os outros, e acaba com certo "comodismo". Precisamos relativizar o comodismo, uma vez que quem está comodo é : homem branco classe média/alta cis gênero heterossexual, qualquer pessoa fora dessas categorias não está cômoda de fato. É necessário entender que para uma mudança efetiva acontecer, e a luta de alguns virar a luta de todos, alguém vai ter que sair na chuva e se molhar. Não existe conquista de direito/necessidade sem sacrifício - leia-se por algo em risco.
Logo, ser a favor da greve é colocar a mão no fogo e dizer: sim, estou abdicando da minha passibilidade de ir e vir. Sim, entendo que os caminhoneiros, vans de escola, motoqueiros, tem a necessidade da gasolina mais barata. Não, eu não concordo com o acordo feito entre Temer e empresários. A questão aqui é até onde vai nossa empatia ? A estrutura é cruel, bem mais que alguns dias sem pegar o busão.
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