Lutamos no front
Tem muita preta que luta no front, luta de cara a cara com o machismo e o racismo, me orgulho de conhecer algumas, mas mais ainda, me orgulho de em dadas situações ser uma delas. Acontece que dentro do movimento negro o racismo é muito bem combatido, empoderamento para todos os lados, porém o machismo continua e perdura, enraizado na nossa melanina.
No dia do meu aniversário de 18 anos, eu e meus amigos fomos na balada da Nossacasa , que fica na Mourato Coelho. A entrada era de graça e o que nos atraiu foi, além de não pagar, a ilustre participação do DJ KL Jay. Preto, pobre, de periferia que fez muito sucesso com o grupo Racionais MC’s, extremamente respeitado no mundo do hip-hop e no movimento negro. Um símbolo.
No dia do meu aniversário de 18 anos, eu e meus amigos fomos na balada da Nossacasa , que fica na Mourato Coelho. A entrada era de graça e o que nos atraiu foi, além de não pagar, a ilustre participação do DJ KL Jay. Preto, pobre, de periferia que fez muito sucesso com o grupo Racionais MC’s, extremamente respeitado no mundo do hip-hop e no movimento negro. Um símbolo.
Em um dado momento o KL Jay apareceu na pista, colocou o fone de ouvido e segurou o microfone. Confesso que no momento que eu o vi lá, achei que ia estourar. Para muita gente, estouro, mas para mim e para minha amiga, Georgia, foi mais um preto falando groselha no microfone.
O fato é que ele começou a dizer coisas muito machistas como: “essa é para as minas safadas”, “tirar a roupa pra homem é bom”, essas coisas. A gente nem dançou direito, e ficamos falando que íamos pegar o microfone se ele soltasse mais uma.
No final da noite, quando fomos pagar a conta, a Georgia teve a oportunidade de conversar com ele, claro que foi tirar satisfação sobre o desrespeito dele pelas mulheres do espaço. KL Jay nem sequer ouviu, ficou falando por cima dela, dizendo que ela era muito nova, que não era essa a intenção dele, que daqui a 10 anos ela iria entender.
Durante a discussão um cara mais velho ficou nervoso, agressivo, e começou a falar mal e xingar a Georgia. Quase bateu nela, a sorte foi que a mulher dele começou a gritar pra ele parar.
Depois que eu paguei a conta fui dar apoio a ela, disse para o Jay que ele machucou a gente de verdade e que isso não se faz, mesmo assim ele não ouviu. Pegou no nosso ombro e disse que nós íamos entender, e que ele estava falando de um prazer entre macho e fêmea.
Palavras iam e palavras vinham, as moças do balcão não se mexiam e apenas diziam em voz meio baixa que ali não era tolerado o machismo. Apenas uma resolveu tirar eles do espaço de foco e continuar a discussão em outro lugar, acompanhando tudo.
Isso tudo me deixou irritada. Muito irritada.
Primeiro porque esperava ir em uma balada onde essas coisas não existissem, porque é isso que a Nossacasa “prega”, o machismo é barrado, a liberdade é lei e rainha. Não foi o que aconteceu. E duvido que depois do confronto eles tenham feito alguma coisa a respeito, nem que mandassem um e-mail repudiando a atitude do DJ.
Segundo, não adianta o homem preto lutar pelo fim do racismo sem refletir suas ligações com o gênero e com as mulheres, que além de sofrerem com o machismo sofrem com o racismo. A estrutura do preconceito é tão forte e sólida, que dentro do movimento negro nós não nos sentimos confortáveis. Infelizmente, o nosso espaço de luta ainda tem que ser conquistado.
A questão é que mesmo colocando dedo na cara do KL Jay, temos que lutar contra isso em todas as esferas de nossa vida. Todas. Não existe um momento da existência da mulher preta que ela não lute de cabeça erguida contra o racismo e o machismo.
E também, sem deixar de analisar o momento, o DJ estava em uma posição de poder. Na hora em que ele começou a falar besteira, ninguém resolveu desligar o equipamento ou ir efetivamente pegar o microfone, ninguém.
Foi nessa briga, no dia do meu aniversário, que eu percebi que a luta nunca acaba. E que realmente, dentro do movimento negro existe muito espaço ainda para ser ocupado.
Aqui fica minha indignação com a Nossacasa, e meu dedo na cara do DJ KL Jay.
Mulheres pretas lutam no front, curam as feridas e se permitem morrer todos os dias na busca por igualdade.
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