Por que somos a Mulher do Fim do Mundo ?

by - 20:15


Foi apenas no finalzinho de 2016 que comecei a ouvir o cd Mulher do Fim do Mundo, da Elza Soares. Ao mesmo tempo que me aprofundei nas questões sobre a mulher negra e seu papel social. Elza é vanguardista no movimento, quebrou muitas convenções quanto mulher negra. De fato é alguém que devemos nos espelhar, respeitar, e acima de tudo, escutar!
Agora, porque nós mulheres negras nos identificamos tanto com esse cd? O que faz ele soar como uma cantar de passarinho conhecido em nossos ouvidos? Ai que vem a minha hipótese de fã.
O que Elza coloca no disco é além de boas rimas e versos, a primeira música: Coração do mar, nos leva para um navio negreiro (quente, do mangue) em que as mamas Áfricas ficavam cantando e chorando, não sabendo o que era aquilo. Não entendendo porque seus filhos dormiam amontoados, e seus maridos amarrados.
Depois, nossas ancestrais chegam no Brasil, e se deparam com uma realidade miserável, reis e rainhas viraram escravos. "Cadê meu celular, vou ligar para 180 " ilustra essa realidade da mulher preta periférica, que tem que fugir do marido porque ele bate, é possessivo. A  hiper-sexualização preta também é explorada por Elza na música: Pra Fuder, um valor  que não escolhemos ter para o nosso corpo, e que muitas vezes nos assustamos ao percebemos que podemos domá-lo, moldá-lo e torná-lao nosso.
Nos identificamos com as letras de Elza porque elas colocam em pauta, de maneira muito poética e bela, o que as mulheres pretas sofrem todos os dias, há 400 anos. Não é atoa que somos esquecidas, largas e marginalizadas, no mundo das propagandas, no mundo do ativismo, no mundo acadêmico. Somente lembradas nas noites de calor, nos bares sujos, nos dinheiros mofados colocados nos sutiãs.
Eu, particularmente, tenho privilégios em relação a inúmeras mulheres pretas, sempre tive acesso à boa escola, boa saúde, bom lazer, à arte. Além disso, sou lida socialmente como moreninha, não como mulher preta, tive que me afirmar quanto preta para lutar pelas causas! Afinal, sofremos racismos de muitos jeitos, um deles é o famoso: morena, mulata, cor de batata (sim, já me chamaram disso, e eu me chamava assim).
Elza nos sintetiza porque nos mostra uma outra visão da dura realidade, porque coloca no chinelo muito racismo enraizado, deixa tudo muitos mais roxo, muito mais preto. Somos mulher do fim do mundo, nossa lágrima é samba na ponta dos pés.

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2 comentários

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Preta estou amando o blog, teus textos são ótimos! Beijos pretos, muita força e axé!

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