Movimento negro não é chato

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Demorei muito para fazer esse texto. Demorei para deglutir essa imagem. São inúmeras críticas que podem ser feitas aqui, desde o pixo no banheiro até as causas do movimento negro, por hora resolvi me deter às causas.
O movimento negro é extremamente complexo, então a primeira coisa que deve ser feita é : EU NÃO SOU O MOVIMENTO NEGRO. Nós somos um conjunto, que se alinha a perspectivas diferentes, que tem métodos diferentes, visões diferentes. Somos humanos. Assim como a esquerda tem a reformista e a revolucionária, o movimento negro tem suas correntes também. Dito isso, venho aqui passar a minha visão sobre isso que está escrito na porta do banheiro.
Não é justo.
Não é justo.
Primeiro, por que não somos chatos. Quer dizer, se ser chato é questionar tudo aquilo que a sociedade (e as pessoas brancas que compõe essa sociedade) coloca em cima de nós, então sim somos chatos. Mas, não ficamos  assim do nada. Dentro da história da pessoa negra no ocidente, a luta pela revolta total ao sistema racista foi e é difícil. Se rebelar contra uma cultura que te oprime, que não te dá escapatória, não é simples, não é feito da noite para o dia.
Começamos há muito, com os quilombos formados nas áreas escravizadas, com o surgimento de línguas crioulas(1). Depois, passamos a viver um processo total de apagamento e massacre, em que morríamos ao bel prazer do homem branco colonizar, que se vestia de barão, depois de patrão, depois de polícia, depois de Estado, depois de amigo. E as ideologias arquitetadas em todo esse tempo, no nosso país, eram para acharmos que somos todos iguais, todos unidos, uma verdadeira Nação. Não, não somos.
Por não sermos iguais, por entendermos que passamos por opressões distintas das pessoas brancas, resolvemos ter um movimento com causas só nossas. Feminismo negro não é uma vertente, é uma vida. Movimento Negro é uma vida. E, é escuro que por pensarmos e agirmos contra essa ideologia de democracia racial, somos vistos como chatos, como vitimistas, como sem auto estima.
Na maioria das vezes não temos auto estima mesmo. Eu, Isabela, tenho que me arrumar 3x mais que minhas amigas brancas para me sentir bonita, às vezes me faço como uma igreja barroca, de tantas coisas que coloco no look, para me sentir também parte de uma beleza padronizada. Não é ter um olho claro, para ser bonita, é não precisar passar maquiagem, arrumar o cabelo, escolher as cores certas, batom.... A beleza branca é explorada de inúmeras formas: temos a desajeitada que é bonita, a ajeitadinha que é bonita, a super arrumada que é bonita, a simples que é bonita, a rockeira que é bonita, a hippester que é bonita, a de cabelo longo que é bonita, a careca que é bonita. E todas essas mulheres são lindas, realmente.
Mas, e nós negras ? Onde está a nossa auto estima? Afinal, seremos lidas sempre como feias, como tentando ser branca, ou como extremamente exóticas, hiper sexualizadas,  mas nunca como bonitas.
Não existe recalque no movimento. Isso posso falar com propriedade, ninguém ali quer ser branco. Queremos acabar com a branquitude, fazê-la entender que já deu de brilho solo, que a gente quer espaço, E QUE VAMOS OCUPAR SIM TODOS OS ESPAÇOS.
Agora, fico pensando o que se passa na cabeça de uma pessoa que escreve que o movimento negro é chato... Ah sim, para contextualizar : antes disso estava escrito, na porta do banheiro, que Branco Fede. Ai as pessoas ficaram bravas.
Em assembleia uma moça comentou isso, dizendo que separava os estudantes.
A branquitude fede, assim como a burguesia fede. É metafórico. Estamos morrendo, e ninguém liga, nem nós mesmos ligamos totalmente pela morte do nosso povo. Então sim, fede. Mas, se ofender com isso ao invés de questionar o próprio odor, ai sim isso é um problema. O que separa os estudantes há anos é justamente uma visão racista dentro do movimento estudantil, que não quer agregar as nossas pautas, que exita em auxiliar as nossas lutas. Futuramente, irei escrever um texto sobre a dificuldade de ser preto ativista na USP, com os poucos meses que estou lá.
Os opressores tendem a ter essa atitude: ao invés de questionar em si o que o oprimido aponta, procurar entender, ele prefere problematizar o termo usado, o que o oprimido acusou.
O opressor sempre preza pela sua sanidade mental, nada mais.

Acho que a pergunta ainda fica, porque é isso que é urgente: tem tratamento terapêutico no SUS ?

(1) - Língua crioula é uma língua criada em áreas de permanência entre o dominador e o dominado, em que o dominado une a sua língua à língua do dominador e cria um resultado final, que em geral não é gramaticalizado ou ensinado em escolas. Por exemplos, os escravos da Jamaica criaram uma língua crioula chamada Patoá, em que existem palavras em inglês, palavras africanas. Todos lá falam essa língua, não a aprendem na escola, mas no convívio, em casa, entre os amigos da escola.





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