Sólida e Sozinha II - negra
A pauta da solidão da mulher negra está em alta no movimento negro. Discutimos isso em todos os campos da militância, em todos os momentos. Isso é um ganho, já que passamos por muito tempo na mão dos homens pretos e das suas pequenas ditaduras. A mulher negra sempre liderou o movimento, sempre esteve a frente nas rebeliões, nas revoluções. Não lembrar da mulher negra é um crime.
Por isso, por ter essa consciência, nós jovens negras percebemos que a nossa solidão é espessa e reside em cada cantinho da nossa vida, do nosso corpo.
Em primeiro lugar porque somos hiperssexualizadas na maior parte do tempo, então quando se trata de uma mulher bissexual ou heterossexual, a relação com homens brancos são, na maioria das vezes, uma perda tempo. Pois já sabemos que seremos apenas um pedaço de carne pronto para ser comido. Algumas vezes deixamos isso de lado, apenas para saciar o prazer... Mas, entende como é vazio? Eu mesma passei alguns aninhos apaixonada por um homem branco que gostava de uma mulher branca. Só depois que me dei conta que isso me machucou. Ficamos calejadas.
Ser hiperssexualizada também por mulheres brancas, é uma realidade. Amigas lésbicas já disseram que preferem não se relacionar, do que ser mais um pedaço de carne para as mulheres brancas que adoram fazer papel de diversificadas, de apoiadoras da causa, mas tratam a mulher negra como um animal exótico.
Menina pretinha, exótica não é linda.
Nessa encruzilhada de não conseguir ser completamente amada pelas pessoas brancas, que estão em todos os lugares, temos o impasse do homem negro. Ah, o homem negro. Nesse sim, de certa forma, depositamos maior confiança, já que ele passa por muitas coisas parecidas conosco em questões de racismo, de hiperssexualização, de realidade. Nos diferenciamos dos homens negros porque nossas opressões levam em conta a questão de gênero.
Então, a conclusão seria que se relacionar com o homem preto é a solução para as mulheres pretas bissexuais e heterossexuais. Mas, não. Estamos esquecendo que o homem preto na maioria das vezes, por uma razão de racismo estrutural, prefere não assumir um relacionamento com uma mulher negra, por medo, por insegurança, pela sociedade. O homem preto vê mais beleza e oportunidades de um relacionamento nas pessoas brancas, nas mulheres brancas e nos homens brancos.
Uma vez vi um vídeo que dizia que o homem preto deve se relacionar com a mulher negra porque ela é a única a entender as suas opressões e vice-versa. Realmente. Mas, se relacionar com um homem preto não é esquecer que ele é homem, que tem um papel de gênero a exercer, que ele será machista, sexista, e afins. Da mesma forma que se relacionar com o homem preto é se lembrar que o nosso povo tem muito poder, muita beleza e muito amor.
Mesmo tendo tudo isso na cabecinha, ainda sim é difícil se relacionar com pessoas negras. Pessoas negras com pessoas negras, não é tarefa fácil. Somos todos com a sanidade mental acabada. A militância não é ir ao CONUNE, ou na assembleia da faculdade, panfletar no metrô, não não! Militância negra é acordar vivo pronto para o próximo ambiente racista, para o próximo comentário racista...
Talvez a saída real seria se relacionar com mulheres negras, porque a gente é tão pra frente, que eu as vezes me assusto. É cada mulher maravilhosa, que jesus, amo o movimento.
Mas, a solidão não para por ai. Não somos sozinhas apenas na vida amorosa, mas também na vida social, política, e de outros afetos. Mesmo que tentemos, os nossos amigos brancos jamais irão entender o que passamos, ou jamais vão rir de uma piada que é apenas: "mas a pessoa é branca" e ai só você ri. Porque ser o único negro no role dos seus melhores amigos também é uma espécie de solidão.
Não ver no dia a dia pessoas com o mesmo cabelo, tom de pele, tipo de boca, nariz, olhos, corpo, é também uma solidão. Não defendo aqui a apropriação da mídia das pautas do movimento negro, não acho certo vender mais batom porque colocaram a Carol Konca na propaganda. Isso é o capitalismo usando a pauta negra para deixar a marca mais fofinha. Estou falando aqui de representatividade real mesmo, das mulheres saírem de black armado, com os cachos ao vento, com o cabelo raspado, com o rosto preto e não cinza de base.
Na política, acho que nem é preciso dizer. O número de mulheres negras dentro das casas de poder é pequeníssimo, e para que qualquer mudança ocorra dentro do regime que vivemos, precisaríamos de muitas lá, tipo 54% de pessoas negras nas casas de decisão política.
Logo, a solidez da mulher negra vem com o fato de encararmos uma vida cheia de afetos pouco maduros, cheia de adeus, de despedidas em inúmeros graus. A gente se junta no final e dança, porque não há o que fazer.
(Não achei o autor ou autora da imagem)
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